terça-feira, 3 de setembro de 2024

Um bom diagnóstico

Recebo regularmente emails do treinador espanhol Jota Cuspinera, e não resisto a traduzir e publicar o que recebi hoje:

“ Hola Mario,

Um dos meus mentores sempre me dizia que, para poder resolver um problema, primeiro é preciso fazer um bom diagnóstico. Se o diagnóstico não for adequado, as soluções que você propuser estarão (salvo casos de sorte) condenadas ao fracasso.

Ele sempre me dava o exemplo dos médicos. Imagine que você vai ao médico com uma dor de cabeça; essa dor pode ser causada por uma infinidade de razões. O médico fará perguntas e, se necessário, solicitará alguns exames. O objetivo é fazer um bom diagnóstico para poder resolver o problema com as medidas adequadas. Pode ser que uma simples aspirina resolva, mas, se for algo mais grave, uma aspirina não resolverá o problema; daí a importância de um diagnóstico adequado.

Há alguns anos, assisti a um clínic em Valência, onde o palestrante era um treinador do Centro Siglo XXI de Barcelona (não me lembro do nome). Nesse clínicc, ele propôs às jogadoras fazer o contra-ataque 11 com uma bola imaginária. O que ele procurava? Diagnosticar se a tomada de decisões era correta nesse contra-ataque, eliminando a bola como elemento "distorcedor" na percepção que temos sobre a tomada de decisões. Ou seja, às vezes a bola é perdida, não porque a decisão foi errada, mas porque a habilidade para realizar o passe não é adequada. Ao eliminar a bola e jogar com uma imaginária, a bola chega sempre ao destino proposto.

Achei isso super interessante e guardei a ideia.

Algum tempo depois, fui dar um Clínic num centro de treino individual em Oviedo. Cheguei um dia antes e fui ao centro para ver os treinos. Lá, encontrei um treinador que treinava três meninas na categoria infantil, uma delas era muito alta para a idade. O treinador fazia um exercício de finalizações com bandejas, e a menina mais alta parecia ter sérios problemas de coordenação ao realizar as bandejas. Então, ele aproximou-se de mim e pediu a minha opinião sobre como trabalhar a coordenação corporal dela. Lembrei-me de que realizar um bom diagnóstico era importante para propor uma solução eficaz, então ignorei o que os meus olhos viam (falta de coordenação motora) e pedi que ela realizasse a mesma penetração com uma bola imaginária... e voilà! A coordenação era perfeita; ela não tinha problemas de coordenação motora corporal, o que indicava que a sua "relação com a bola" era o verdadeiro problema. Portanto, a solução era realizar exercícios que ajudassem a melhorar essa "relação com a bola".

Veja como o diagnóstico foi importante (obviamente, não fiquei tempo suficiente para ver como a jogadora evoluiu). Se tivéssemos ficado com a impressão inicial, teríamos colocado a jogadora para fazer exercícios de coordenação corporal, provavelmente sem bola, o que não teria resolvido o problema.

Bem, na última semana, estive dirigindo o Campus Pro Camp em Albacete, organizado pela Federação de Castilla-La Mancha. Lá, enquanto tentava ajudar um jogador a superar seu oponente em um 1x1 (ele nunca iniciava um drible de progressão e limitava-se a tentar avançar enquanto protegia a bola com o corpo, com pouco sucesso), lembrei-me de que, para ajudá-lo, primeiro tinha que diagnosticar por que não conseguia ele fazer isso. As causas poderiam ser várias e, após várias "orientações verbais", não estávamos a progredir naquilo que buscávamos. Qual foi a solução? Pedi que  jogasse um 1x1 para superar o seu oponente com uma bola imaginária. Ele conseguiu superar, mas com grande dificuldade. Percebi, então, que, além de um possível problema de controle de drible, havia uma diferença física insuperável para ele naquele momento; a dificuldade da tarefa era, naquele momento, grande demais para ele. Então, a solução foi emparelhá-lo com oponentes com uma capacidade atlética um pouco menor do que a de seu defensor naquele momento (se isso não fosse possível, eu teria ajustado a defesa de alguma maneira, ou o jovem  acabaria frustrado por não conseguir o que propus).

A partir daí, incentivá-lo a ser corajoso e atacar (adicione aqui os conselhos que quiser) se tornou algo viável e alcançável, com suas dificuldades, mas alcançável, afinal. De fato, simplifiquei o desafio; o primeiro objetivo era simplesmente alcançar a área a partir da linha de 3 pontos jogando esse 1x1. O objetivo era simplificar a sua problemática com objetivos mais acessíveis para ele (lembre-se de que o diagnóstico me fez mudar o par na defesa), com a intenção de, eventualmente, alcançar o objetivo final de superar totalmente o seu defensor, o que levaria mais tempo do que o dia que pude compartilhar com ele.

Assim, encorajo os treinadores a diagnosticarem bem o problema quando perceber que alguém está com dificuldades e, então, propor a solução que acredita resolver o problema. Às vezes, pedir para jogarem com uma bola imaginária pode ajudá-lo a diagnosticar com mais precisão o verdadeiro problema subjacente ao que você está a observar.”

J.Cuspinera

 

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