segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O Triunfo do Coletivo

 Inesperado, emocionante e muito bem jogado, vencido brilhantemente pela Espanha, o Eurobasket 2022 vai ficar na história da modalidade.

Servia, Grécia e Eslovénia, que eram as principais favoritas para o ouro, cedo ficaram pelo caminho.

As “estrelas“ NBA : Giannis Antetokounmpo, Nikola Jokic e Luka Doncic, três dos melhores jogadores do mundo, saíram pela porta pequena da competição continental. Nenhum deles lutou pelas medalhas, pese o facto de liderarem três das seleções favoritas. Um fracasso rotundo para as equipas e para os jogadores.

Se serve para a NBA, também serve para a FIBA

Sergio Scariolo, o italiano que levou a Espanha à conquista do Eurobasket 2022, é um mestre da tática. Mais uma vez, conseguiu implantar uma filosofia defensiva, que tinha por base as defesas alternadas, a que somava um ataque coletivo.

Sergio foi adjunto de Nick Nurse nos Toronto Raptors da NBA e foi o responsável pelo uso das defesas zonais e mistas nessa liga, o que raramente acontece.

Agora no Eurobasket, repetiu as defesas com sucesso.

Curiosamente, na antiga liga profissional portuguesa de basquetebol, dos anos 90 do século passado, muitos treinadores, e eu particularmente, usávamos estas defesas.

Agora, nesta fantástica final europeia, os mesmos argumentos táticos defensivos voltaram a surgir.

As regras permitem o uso de qualquer tipo de defesa, contrariando os treinadores “fundamentalistas” da defesa individual.

Obviamente para se conseguir utilizar defesas múltiplas, as equipas devem dominar a defesa individual, será impossível e desaconselhável o uso das primeiras sem dominar a defesa individual.

A atitude da equipa, a vontade de ganhar e a confiança dos jogadores explica mais este milagre dos espanhóis.

Não podem ficar quaisquer dúvidas a Espanha é a potência europeia número 1 face aos resultados obtidos, este ano, em todos os escalões e géneros.

 

 Os automatismos defensivos dos campeões


Os jogadores espanhóis foram sempre agressivos, conseguiram aplicar os fundamentos da defesa, não só na defesa individual, como em todas as outras defesas zonais e mistas. 

Muito treino e boas aprendizagens na formação levam a automatismos eficazes.

Vejamos algumas das situações mais frequentes da equipa espanhola, neste europeu.

Na defesa do bloqueio direto lateral muito utilizado na transição ofensiva (“chegar a jogar”) o defesa do bloqueador defendeu dava a ajuda inicial em “Show “, recuperando posteriormente na defesa do portador da bola (1).

Figura 1 - Defesa do bloqueio direto lateral.

O defesa X1 passava por trás e recuperava rapidamente o enquadramento com a bola enquanto o defesa X4 dava uma segunda ajuda e posteriormente recuperava o atacante direto (4) – figura 1.



Figura 2 - Defesa do bloqueio direto central.

Já na defesa do bloqueio direto central, o defesa X5 “fazia show” e o defesa X1 passava por cima do bloqueio.

Quando o ataque tentava o denominado “short roll” a defesa rodava:

O defesa X4 saia a marcar o atacante 5, enquanto o defesa X3 marcava o atacante 4 e o defesa X1 saia a cortar a linha de passe com os braços abertos e altos na marcação ao atacante 3 – figura 2 - (Loaiza, 2022).

O plano da Espanha apontava para uma defesa muito agressiva, na defesa dos bloqueios diretos, com grande pressão na bola.  Na final, optaram por dar de “borla”, nas denominadas continuações curtas para o cesto (“Short roll”), o gigante poste NBA Gobert. O francês evidenciou muitas carências técnicas, sobretudo na hora de distribuir o jogo – figura 3.


Figura 3 - Defesa do bloqueio central, na final.

Maus passes, finalizações deficientes, decisões erradas e tardias na aplicação do conceito ofensivo agora na moda “Short roll” lexplicam o insucesso dos franceses.



Figura 4 - Defesa do bloqueio direto lateral, na final.

Com os bases muito lentos na tomada da decisão e com o poste bloqueador Gobert a cortar lento para o cesto, a França raramente encontrou a técnica e o tempo certo no passe para 5 – figura 4 - (Castillo,2022e).

A juntar a tudo isso, os postes franceses não acertaram nos lançamentos de meia distância, o que facilitou as rotações defensivas dos espanhóis, compensando os desajustes verificados.



Figura 5 - Base a ir buscar a bola à mão.

Com o base francês a ir buscar a bola à mão do poste na zona central (figura 5), a ideia era posteriormente iniciar o ataque com o bloqueio direto.

No movimento inicial, o defesa do portador da bola passava por trás (figura 6).



Figura 6 - Defesa do bloqueio inicial.

A resposta óbvia do ataque passou naturalmente por novo bloqueio direto. A resposta da defesa foi com troca defensiva imediata e agressiva. Em situações de bloqueio direto lateral as respostas foram idênticas (figura 7).



Figura 7 - Respostas à defesa do bloqueio direto.

A solução do “trap” ao portador da bola, com a linha de passe óbvia fechada e com os outros dois jogadores a marcarem três atacante e preparados para rodarem, foi também utilizada – última imagem da figura 7 - (Castillo,2022g).                         

Como já foi referido, a Espanha foi quase sempre muito agressiva na defesa dos bloqueios diretos, nomeadamente nas primeiras ajudas.

Com o defesa do bloqueador a defender em “Flash”, afastaram a bola do cesto, com as ajudas largas impediram o jogo com passes bombeados (Arrufat, 2022).

 

O processo ofensivo




No início do jogo da final, a Espanha recorreu muito ao base Lorenzo Brown, para colocar em marcha o processo ofensivo de Scariolo. A gestão dos bloqueios diretos constituiu um enigma difícil de desvendar pelos oponentes do Eurobasket.



Figura 8 - Bloqueio direto central 51.

O bloqueio central 51 (figura 8) deu muitos bons lançamentos exteriores do cotovelo.



Figura 9 - Bloqueio direto centra 52.

No bloqueio direto central 52 (figura 9), o poste muitas vezes abriu fora (Pop Out 5) para dar continuidade ao ataque. O atacante 4 cortava para o lado oposto abrindo espaço. O ataque era concluído com o clássico jogo SPR (“side pick and roil”) entre 5 e 1 - (Castillo, 2022d).

Com o bloqueio central, o base 1 ganhou vantagens, nomeadamente com o recurso a um segundo bloqueio com saída pelo lado oposto – figura 10.



Figura 10 - Bloqueio e rebloqueio.

Com o defesa 5 a defender as penetrações, o atacante 2 lançava do exterior – figura 11.



Figura 11 - Atacar o defesa X5.

Apoiar o jogo no poste interior dava possibilidades a que este jogasse 1x1 (Castillo, 2022j).



Figura 12 - Entrar no ataque com passe ao poste.

Entrar no ataque com passe ao poste (figura 12) permitiu a entrega de bola à mão de 4 a 3 e posterior jogo de bloqueio direto central entre 3 e 5 (Garuba e Brizuela) – figura 13.

Ao abrir no perímetro (“pop out”), Garuba criava um triângulo com o base Díaz para atacar o “close out” (Gómez, 2022).



Figura 13 - Bola à mão entre 4 e 3 e continuidade.

Os bases Lorenzo Brown e Alberto Díaz, realizaram um extraordinário campeonato conseguindo encontrar muitas vezes o passe certo no tempo certo.



Figura 14 - Bloquear o bloqueador entre postes.

Bloqueia o bloqueador acção entre postes (4 e 5) – figura 14.



Figura 15 - Isolar 4.

Devolução do passe ao base e isolamento de 4 (corte nas costas) – figura 15 - (Castillo, 2022j2022c).

Jaime Fernández não jogou muito bem nos encontros iniciais, mas na final, esteve a bom nível, assumindo lançamentos importantes e esteve a bom plano na defesa, com um nível de atividade de mãos e contacto físico tremendo.

 



Figura 16 - Entrada com bloqueio direto lateral.

Entrada ataque em SPR (bloqueio lateral) seguido de bola à mão (“Hand off”) – figura 16.



Figura 17 - Bloqueio direto lateral 51, seguido de bloqueio direto lateral 52.

Entrada ataque em SPR (bloqueio lateral) com passe para o lado oposto e novo SPR (52) – figura 17. Aclarado de 4 para dar mais espaço para a equipa jogar 2x2. Possível saída pelo lado contrário bloqueio de 2.



Figura 18 - Bloqueio direto central 52.

Bloqueio central direto (52). Atacante 2 assiste 5 para “short roll” (Castillo, 2022h).

O veterano Rudy Fernadez continua a ser produtivo, em cada segundo de utilização, para a sua equipa. Trabalhou muito bem sem bola no ataque, não deixando de tomar iniciativas. Na defesa, usou como habitualmente as mãos roubando bolas importantes. 



Figura 19 - Bloqueio indireto de 1 a 2 e bola à mão.

Bloqueio indireto de 1 para 2 e ida à mão, jogo central de 2x2. Manobra de diversão (figura 19).



Figura 20 - Bloqueio indireto, para libertar o lançador.

Bloqueio indireto para libertar lançador (3) – figura 20 - (Castillo,2022f).

Quando a França colocou em campo a dupla interior Poirier-Fall e defendeu à zona, a Espanha respondeu com Juancho-Garuba e com o recurso à circulação rápida da bola e ao uso dos espaços intermédios entre defesas, procurando os postes, no final da posse de bola. Com Juancho a marcar muitos cestos, conseguiu destruir a pesada defesa contrária – figura 21.



Figura 21 - Resposta à defesa zona.

Movimento constante da bola e dos jogadores, procurando no final os postes (4 e 5) – figura 22 - (Castillo, 2022aPerez, 2022).



Figura 22 - Resposta á defesa zona 2-3.

 A dupla, Lorenzo Brown e Alberto Díaz, comandou uma orquestra afinada.



Figura 23 - Bloqueio direto central com pop e indireto, seguido de bola à mão.

Bloqueio central e “pop out” seguido de bloqueio indireto 51 e lançamento exterior (figura 23).



Figura 24 - Penetrar e assistir.

Penetrar e assistir para lançamento exterior, foi também utilizado – figuras 24 e 25 - (Castillo,2022c).


Figura 25 - Penetrar e assistir do bloqueio direto central.

O clássico ataque “Horns / Flare” também foi usado pela Espanha. Saída de 4 para lançamento exterior – figura 26 - (Castillo,2022l).




Figura 26 - Horns seguido de flare.

 A surpresa nas situações especiais



Figura 27 - Após desconto de tempo.

Ao sair do desconto tempo (“ATO”), a Espanha recorreu muitas vezes defesas zona 2/3 e 3/2, ambas com ajustes.



Figura 28 - Ajustamentos defensivos.

Ajustando as posições, os defesas acompanhavam os cortes.



Figura 29 - Bola no canto.

Com a bola no canto, a defesa inicial passava a 2.3 – figura 29 - (Castillo, 2022k).

Na defesa da Bola linha lateral, a Espanha defendeu algumas vezes zona ajustada 2.3, 3.2 e em “box and one”, surpreendendo os adversários (Castillo,2022i) – figura 30.



Figura 30 - Defesa da bola na linha lateral.

 Bola linha lateral (“SLOB”)



Figura 31 - Bola fora na linha lateral.

Saída “Zeeper”, mudança do lado da bola. Bloqueio cego e bola à mão – figura 31.



Figura 32 - Continuidade da bola fora lateral.

Nova mudança do lado da bola com bloqueio indireto de 4 para 3 que lançava – figura 32 - (Castillo,2022m).

 

 

 

 

 

Jogar a correr, quando é possível



Com alguns problemas no ataque de posição, na final, Scariolo reajustou o ataque, conseguindo a partir da defesa zonal 3.2 sair rápido para o contra-ataque e marcar pontos (figura 33).


Figura 33 - Finalizar do contra-ataque.

Saída rápida para o contra-ataque com passe em diagonal e lançamento antes da defesa estar ajustada (figura 33). Papel importante tiveram os bases. Algumas vezes jogavam costa a costa para jogarem 1x1 ou penetravam assistiam para o canto oposto (Castillo,2022b).

 

 

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Mensagem Final

A Espanha é uma clara referência e exemplo de trabalho para todos os treinadores. Continua a ganhar campeonatos importantes (esteve nas 8 finais nos escalões de formação), provavelmente pelo esforço e aplicação das suas gentes. Desde o corpo técnico da Federação até aos mais modestos treinadores da formação, que nunca param de trabalhar, mesmo sem grandes compensações financeiras, continuando o ensino e o treino com paixão e dedicação. 

Enquanto este país tiver gente apaixonada, trabalhadora e talentosa em todas as áreas do basquetebol (amador, formação e seleções), as medalhas e os campeonatos continuarão a cair… 

 

Referências

Arrufat, V. (2022). Scariolo desconacta a Gobert. Retrieved September 18, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571619298304561153

Castillo, M. (2022a). Cuando Francia propone a Poirier-Fall, España presenta a Juancho-Garuba. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/Marc__Castillo/status/1571815893679710208

Castillo, M. (2022b). Después de un mal inicio de 3er cuarto, pide tiempo muerto Scariolo, que trata de ajustar su atascado ataque. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815902517264384

Castillo, M. (2022c). El cierre lo orquestó Lorenzo Brown y lo ejecutó Alberto Díaz, haciendo justicia al extraordinario campeonato que se ha marcado. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815908753956865

Castillo, M. (2022d). En el inicio de partido, España se apoya en Lorenzo Brown para poner en marcha la maquinaria ofensiva. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/Marc__Castillo/status/1571815881575104512

Castillo, M. (2022e). En el plano defensivo, España optó por ser muy agresiva en la defensa del bloqueo directo sobre el balón, liberando las continuaciones cortas de Gobert. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/Marc__Castillo/status/1571815883961401344

Castillo, M. (2022f). En labores de intendencia, otro gran día para Rudy. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815888856449025

Castillo, M. (2022g). La inoperancia de los 5s franceses en la media distancia, permitió que España pudiese recoger las caídas tras el directo muy abajo. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815891263782913

Castillo, M. (2022h). No habían sido las dos mejores semanas para Jaime Fernández, pero ayer estuvo finísimo. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815886473797633

Castillo, M. (2022i). Sobre el saque de banda, un poco de caja + 1, para que no se diga que no hay variedad. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815898561773568

Castillo, M. (2022j). Sobre esa salida, España vuelve a coger impulso, cerrando su aro atrás y proyectándose en ataque con mucha precisión para explotar sus ventajas. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815904572317696

Castillo, M. (2022k). Sobre esa salida de tiempo muerto, en las siguientes defensas España alterna su zona 2-3 y la 3-2, ambas de ajustes. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815896133545989

Castillo, M. (2022l). Spain: horns flare. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815912470368256

Castillo, M. (2022m). Spain: SLOB. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571815914294714369

Gómez, C. (2022). Tras el Mano a mano Pradilla ocupa Short corner LD. Situación de BD “L” entre Garuba y Brizuela. El pop de Garuba genera un triángulo con Díaz. Atacando el close-out, el defensor da la espalda contra la salida cruzada, espacio con el step back para la ven. Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/i/status/1571860131624673281

Loaiza, G. (2022). Defensa agresivas - Last, segunda ayuda + seguir trabajando (no pararse). Retrieved September 19, 2022, from https://twitter.com/gaboloaizaperez/status/1571786926385876992

Perez, G. L. (2022). ATAQUE VS ZONA: el uso de los espacios intermedios para generar dudas en la defensa. Retrieved September 20, 2022, from https://www.facebook.com/gabriel.loaizaperez.9/videos/1103200393735063

 

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